Entrevista com André Fernandes
17-11-2010 10:57
Ele é jornalista e diretor da ANF (Agência de Notícias das Favelas) e nessa entrevista fala sobre alguns aspectos da Comunicação Comunitária no Brasil.
F5 Mundo Digital: Você acredita na existência de jornalismo comunitário que atenda efetivamente aos interesses da comunidade em que está inserido, livre de interesses políticos e/ou econômicos?
A: O Jornalismo comunitário é muito mais amplo do que o que estamos fazendo, nós somos um dos nichos desse jornalismo. O nosso objetivo maior é dar voz a essa população das favelas. Promover também a troca de experiências entre as comunidades que estão participando: imagine que uma favela em Caracas tenha um projeto interessante e nós consigamos noticiar e inclusive partir do próprio pessoal dessa comunidade e essa experiência possa ser usada no Vidigal. Essa idéia de local é relativa porque quando você está na rede você está globalizado, a internet tem essa possibilidade de fazer com que as pessoas do mundo inteiro possam acessar informações, pesquisar, saber o que está acontecendo. Isso é transformador porque as experiências são relatadas, aquilo que dá certo em uma favela pode ser feito em outra em qualquer lugar do mundo. E o que não tem dado certo pode também não ser copiado em outro lugar do mundo. Então, talvez somente o jornal tenha característica um pouco mais local. Nós temos o projeto de fazer parceria com dezenas de rádios no Brasil, até colocar computador em algumas para disponibilizar o conteúdo da ANF. Então há muitas possibilidades, nenhum dos veículos que está ai tende a acabar.
F5 M D: Como você analisa o impacto da conscientização da população de seus direitos, devido às informações acerca de cidadania propiciadas por meios como a ANF? Você acredita que o jornal além de informativo pode ser educativo e incentivar essa prática nos leitores?
A: Comunidade tem o sentido de vida em comum, e a favela tem esse sentimento mais forte. A ANF não deixa de fazer jornalismo comunitário mesmo com mais de 500 mil exemplares distribuídos no Brasil inteiro. Nesse sentido, o comunitário é importantíssimo. A ANF é citada no livro “Mil perguntas sobre jornalismo”, do Felipe Pena, em um capítulo específico sobre jornalismo e comunicação comunitária.
F5 M D: No âmbito do jornalismo popular, como você vê o papel didático dessa imprensa ao inserir o seu leitor em uma realidade complexa, mostrando-lhe a interferência de cenários políticos, econômicos em sua vida cotidiana?
A: Nós temos recebido algumas críticas quanto ao tamanho e a profundidade dos textos. E acho pertinente, a tendência é nós diminuirmos o tamanho dos textos. Mas tem uma coisa importante: às vezes fazemos o caminho inverso e querendo facilitar a leitura, mas ao mesmo tempo por que não pensar que o nosso papel também é incentivar essa população a se aprofundar? Principalmente, quando falamos em jornalismo, no perfil do nosso componente que é o jovem universitário morador de favela, e queremos que quem não tem esse perfil queira adquirir conhecimento, que eles vejam aquele componente como alguém que está sendo empoderado ali e está sendo procurado pela comunidade para relatar o que está acontecendo. E por que essas pessoas estão sendo procuradas? Porque eles quiseram adquirir conhecimento, quiseram se aprofundar nas questões e sair do senso-comum, e não continuar sendo massa de manobra. Então a nossa idéia é justamente fazer com que essa população seja empoderada e saiba que eles são autores da sua própria cidadania. Eles têm que ser autores da sua própria cidadania, não vai ser uma coisa vinda de fora para dentro. Não podem continuar não entendendo o que estão lendo. Nós temos que incentivar essa população - se quisermos fazer algo transformador - a entender sim o que eles estão lendo e a se aprofundar e se libertar para fazer o que Che dizia "A maior ambição revolucionária é ver o povo liberto de sua alienação". O conhecimento é libertador, então acho que nós temos um papel, a mídia tem um papel, mas a grande mídia tem se preocupado com os interesses de quem tem poder aquisitivo, quem é que vai querer dar jornal? É por isso que estamos trabalhando para empoderar essa população e faze-la participante desse processo.
F5 M D: Qual a sua expectativa em relação ao convite feito para o início de um trabalho em Brasília para a ANF?
A: A minha expectativa é ver a cada dia textos diferentes sendo publicados. Trazer o jornal “Voz da favela” para Brasília será um momento histórico porque esse é um dos primeiros lugares que o jornal está indo depois do Rio de Janeiro. Então eu vou particularmente me empenhar para que isso aconteça e espero também que haja empenho porque só podemos fazer isso desde que haja demanda. Se os textos estão sendo publicados, se as informações estão circulando na rede, e esse público da ANF que é o de classe C, D e E que é beneficiado vai estar lendo, terá a necessidade de trazer o jornal para esse pessoal ler , porque nem todo mundo tem internet, quem você acha que tem internet na estrutural? Mas ao mesmo tempo a classe A e B vai ver o site, vai ler o jornal e conseguiremos transitar entre as pessoas que têm poder aquisitivo e podem se interessar. Como Casas Bahia, por exemplo, os caminhões das Casas Bahia entram na Estrutural, então eles vão se interessar obviamente, e é um pessoal que podemos procurar, para que eles anunciem e possam financiar.
F5 M D: Para encerrar, você poderia deixar uma mensagem, baseada na sua experiência, para aqueles estudantes que estão desiludidos ante a dificuldade de promover informação igualitária e essa libertação através do conhecimento?
A: A esperança é que eu e cada um de nós tenhamos algo disso dentro do coração. Então eu costumo dizer que acredito em Deus, acredito nos sonhos e acredito no amor. O amor ao próximo, que temos que ter e os sonhos que a não podemos deixar morrer é que devem nos impulsionar para frente. Alguém já disse que a razão diz para que nós fiquemos em casa, mas os sonhos é que nos levam adiante. Nós podemos sonhar que podemos desempenhar um papel importante dentro da sociedade como comunicadores sociais e essa classificação do nosso trabalho é muito importante. Estamos aqui para comunicar para a sociedade e que nós estejamos acreditando que o nosso papel é transformador, talvez uma das profissões mais transformadoras da nossa sociedade, de acordo com a visão de cada um. Se você quiser ser voltado só ao mercado, você vai ganhar dinheiro, mas se você quiser pensar realmente pode mudar a sociedade, é possível. É possível mudar a sociedade, é possível acreditar em sonhos, é possível acreditar que o nosso sentimento de amor pelo próximo pode fazer com que o mundo seja transformado e nós somos responsáveis por isso.
referências: diarioandrefernandes.blogspot.
Se você se interessou pelo assunto, confira o site da ANF
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