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Taxi Driver

18-11-2010 10:42

 

A obra-prima da neurose urbana

 

Taxi Driver não deveria ser visto como uma ode a Nova York, pois mostra o que havia de mais sujo na cidade na década de 70, numa época em que a Times Square era um reduto de prostituição, tráfico de drogas, e outras atividades escusas. É a história das intempéries da alma de um homem. Esse homem é Travis Bickle (Robert De Niro), ex-fuzileiro, veterano do Vietnã, taxista. O filme, ao longo de seus 113 minutos, é apresentado sob a perspectiva do protagonista, da maneira como ele vê a cidade e como se deixa machucar por ela.

Nova York é apresentada como um local tal qual como era na época, cercado de mulheres as quais Bickle jamais poderia ter: loiras inatingíveis, que talvez o considerem atraente por um momento, que talvez possam aceitar tomar um café com ele, mas que por fim sacudirão suas cabeças e dirão “Oh, Travis”, sugerindo que o motorista é no mínimo alheio a realidade. Ele, na verdade, está enlouquecendo, mas a palavra que elas usam é “estranho”.

Travis poderia conseguir passageiros em qualquer lugar da cidade, mas ele é constantemente trazido de volta para a Rua 42, Times Square, e para as meretrizes, os viciados e as casas de filmes pornôs. É aqui que uma percepção particular do personagem sobre sexualidade sexo entra em cena. Trata-se do sexo que se compra, que se vende, aquele que usa as pessoas tão somente como objeto. Travis não participa disso, pelo contrário, detesta.

Ele vê uma linda loira, Betsy (Cybill Shepherd) trabalhando em um escritório de um senador candidato à presidência do país. A paixão é instantânea. Ele sai com ela duas vezes. Logo na segunda vez, ele a leva para ver um filme pornográfico com a tranquilidade de quem está indo ao teatro. Quando ela reclama do programa esdrúxulo, Travis se sente ofendido e sequer é capaz de entender que fez algo errado. Paralelamente ao cortejo a Betsy, Bickle cruza o caminho de Iris Steensma (Jodie Foster), uma prostituta de 12 anos que apanha do cafetão e namorado, Sport (Harvey Keitel). Os encontros com as duas mulheres servirão para deixar sua cabeça completamente insana. Daí para uma carnificina sanguinária basta um empurrão. 

Mesmo com o programa frustrado, ele convida Betsy para mais um encontro, dessa vez por telefone, e é aqui que nos aproximamos do coração do filme. Ao passo que Travis insiste e Betsy o rejeita, a câmera lentamente foge da ação, se desloca para a direita, apresentando um longo e vazio corredor. A crítica de Pauline Kael considerou esse plano um lapso que Scorsese tenha pegado como inspiração de Michelangelo Antonioni, cineasta italiano. Scorsese, diferentemente, considera esse plano o mais importante do filme. Por quê? Ele responde: “é como se não conseguíssemos suportar assistir Travis sentindo a dor de ser rejeitado”. Isso é importante, pois, mais tarde, quando Travis sai em fúria extrema e matadora, a câmera o acompanha, e assim podemos ver o horror em grande detalhe, ao contrário do plano da utilizado na cena da rejeição por telefone.

Taxi Driver é um maravilhoso pesadelo. E, como em todos os pesadelos, não nos revela metade do que queremos saber. Nós não somos informados de onde Travis vem, que problemas específicos possui. Não há pistas se sua feia cicatriz tem origem na guerra do Vietnã. Afinal, não se trata de um caso de estudo, e sim de um retrato que registra alguns dias de vida daquele motorista de táxi. O filme é uma obra-prima de caracterização sugestiva. O estilo de direção de Scorsese é o de despertar emoções, e esse é o efeito que procura. As atuações são singulares e compelidas. Ele prefere apresentar momentos de seus atores, ao invés de lentamente desenvolver os personagens. É como se tivéssemos requisitado emoções que estavam escritas nas margens: dê-me fúria, medo, pavor.

Robert De Niro dispensa comentários como ator. Não é preciso mencionar que sua atuação se aproxima da perfeição. De Niro, que já havia vencido Oscar de Melhor Ator em 1974 por “O Poderoso Chefão: Parte II”, de Francis Ford Coppola (voltaria a vencer em 1980 com “Touro Indomável”, também de Scorsese), começava a se tornar uma lenda com essa interpretação. Ele se entrega com uma profundidade extrema. Seus monólogos diante do espelho são memoráveis, dolorosos e patéticos, exaltando a solidão que o cerca, e ainda produzem uma frase que foi direto para os grandes momentos do cinema: “Você está falando comigo?”, repetida consecutivamente e com uma prepotência proporcional ao tamanho do táxi que dirigia. Vale ressaltar que o genial monólogo não estava no roteiro original de Paul Schrader. Foi uma improvisação criado por De Niro.

Além disso, todo o elenco acompanha o ritmo do protagonista. Cybill Shepherd como Betsy está corretamente escalada, com sua frieza se desfazendo aos poucos em relação a seu caráter humanista. Jodie Foster oferece um desempenho chocante como uma criança que já viu de tudo. Harvey Keitel se destaca como o calhorda que explora a garota sem lampejos de culpa, e Albert Brooks, em sua estreia no cinema, dá a pitada de humor necessária ao enredo.

O filme é especial, pois é um grande tributo ao cinema. Ao longo de suas quase duas horas, a câmera passeia por Nova York da mesma que Godard fazia em seus filmes passeando por Paris. No final do filme, há um plano idêntico ao de “O Homem Errado”, de Alfred Hitchcock, isso sem falar nas nítidas influências de Fassbinder, Jack Hazan, Truffaut, Louis Malle, John Ford e outros grandes cineastas do século XX. Taxi Driver é um clássico da neurose urbana, uma das mais perfeitas obras já realizadas em Hollywood que influenciou as gerações seguintes.

Com excelente roteiro de Paul Schrader, fotografia saturada na qual as cenas noturnas prevalecem, e uma trilha sonora tensa composta magistralmente por Bernard Herrmann (sua última antes de morrer, em 1975), Taxi Driver é um clássico da neurose urbana, uma das mais perfeitas obras já realizadas em Hollywood que influenciou as gerações seguintes. É clássico absoluto e um dos meus preferidos.

 

Taxi Driver (EUA, 1976)

Direção: Martin Scorsese

Elenco: Robert De Niro, Cybill Shepherd, Jodie Foster, Harvey Keitel, Albert Brooks

Duração: 113 minutos

 

Por: Leonardo Coelho

 

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