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Mistério de Novela

15-11-2010 11:32

 

 

MISTÉRIO DE NOVELA

 

A avó disse com toda a convicção: “Foi o mordomo, o culpado é sempre o mordomo”. A tia discordou, não podia ter sido o mordomo – quem sabe a esposa, que traía o marido sempre que encontrava oportunidade? O primo achou óbvio demais, talvez fosse alguém do trabalho, todos tinham motivos para cometer o assassinato brutal.

            Já havia duas semanas que o mistério tinha sido lançado pela novela das oito, e todos só conseguiam imaginar qual dos personagens teria esfaqueado o executivo em um quarto de motel. A avó, telespectadora fiel de cada novela transmitida desde o dia em que conhecera uma televisão, dizia que os mordomos sempre tinham culpa em crimes. Os outros membros da família mudavam de opinião – e de rotina – à medida que os capítulos da novela evoluíam.

            A filha mais velha nunca gostara de novelas. Aproveitava o horário nobre da TV para ouvir música ou mexer no computador. Agora, com o surgimento do mistério na trama principal, não tirava os olhos da televisão, e se empenhava como um detetive para descobrir a identidade do assassino. Já a filha mais nova, que pela classificação indicativa nem deveria estar acordada àquela hora, arregalava os olhos e se ajoelhava a 50 cm da TV todas as noites, como que imitando a posição adotada pela mãe durante suas orações matinais.

            Mas a maior mudança foi a do pai, que costumava assistir aos telejornais de todas as emissoras e ir para a sala de jantar quando a novela começava, alegando que nada além do noticiário prestava na programação televisiva. Agora ele jantava mais cedo e, alimentado, se juntava à sogra, à esposa e às filhas para desvendar o mistério do folhetim das oito, que dizia ser a melhor novela já escrita.

            Para aquela família, as coisas haviam perdido a importância. Telejornais, horário eleitoral, filmes em outras emissoras, nada tinha a graça da novela, nada lhes dava a emocionante oportunidade de tentar desvendar um crime – crime que os deixava atentos aos comentários que apareciam na internet e às novidades estampadas em revistas de fofoca.

            Numa sexta-feira, todas as revistas afirmavam que o caso seria solucionado. Meia hora antes do início da novela, a família se reuniu em frente à TV, na sala de estar, e começou a repassar a lista de suspeitos. Era uma ocasião importante, e até um primo solteirão foi convidado para assistir aquele capítulo – viciado em novelas, ele chegou a casa com três horas de antecedência, devidamente acompanhado de sua mãe (uma tia viúva que nunca aparecia nas reuniões de família).

            A novela começou, e a avó ainda repetia como uma ladainha: “Foi o mordomo”. Quando a primeira cena surgiu na tela, uma chuva torrencial caía no bairro, obrigando toda a família a fazer silêncio e rezar para que a luz não acabasse. Mas as orações não foram suficientes: quando o culpado estava prestes a se mostrar aos telespectadores, houve um pico de energia e a sala inteira mergulhou na escuridão, desesperando todos da casa. Enquanto a filha mais velha reclamava que não poderia nem ligar o computador para terminar de assistir o capítulo pela internet, o pai estava a ponto de quebrar a televisão, desesperado de curiosidade.

            No dia seguinte, bem cedo, a avó foi até a casa de uma amiga que morava em outro bairro para descobrir a identidade do culpado. Ao voltar para casa, quase foi atropelada pelo genro, que mal dormira pensando no assassino. “Foi um personagem novo, que só apareceu agora na novela. A primeira ação dele na história foi matar o Saulo”, a velha senhora falou com a voz baixa..

            A família inteira se decepcionou. O primo e a tia foram embora, a filha mais velha voltou para o computador, a mais nova foi brincar na rua, a mãe foi fazer o almoço. O pai, inconformado com a decisão do autor do folhetim, dizia que nenhuma novela prestava, a única coisa boa na TV era o noticiário. Já a avó foi se sentar na varanda, olhando a rua, e falava a cada cinco minutos: “Esse assassino deve ter sido mordomo no passado. O culpado é sempre o mordomo”

 

Por: Maria Clara Oliveira

 

 

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